mulher depois dos 30
O conto aqui publicado faz parte do livro Noite de Natal, escrito por Sophia de Mello Breyner Andresen, editado em 1960.
A história fala de uma menina que
vivia sozinha e um dia encontrou um amigo. Com ele passou muitos dias. No dia
de Natal descobriu que ele era o menino Jesus.
Quando se viu sozinha no meio da
rua, teve vontade de voltar para trás. As árvores pareciam enormes e os seus
ramos sem folhas enchiam o céu de desenhos iguais a pássaros fantásticos. E a
rua parecia viva. Estava tudo deserto. Àquela hora não passava ninguém. Estava
toda a gente na Missa do Galo. As casas, dentro dos seus jardins, tinham as
portas e as janelas fechadas. Não se viam pessoas, só se viam coisas. Mas Joana
tinha a impressão de que as coisas a olhavam e a ouviam como pessoas.
«Tenho medo», pensou ela.
Mas resolveu caminhar para a frente
sem olhar para nada.
Quando chegou ao fim da rua virou à
direita e meteu a um atalho entre dois muros. E no fim do atalho encontrou os
campos, planos e desertos. Ali, sem muros nem árvores nem casas, a noite via-se
melhor. Uma noite altíssima e redonda e toda brilhante.
O silêncio era tão forte que
parecia cantar. Muito ao longe via-se a massa escura dos pinhais.
«Será possível que eu chegue até
lá?», pensou Joana.
Mas continuou a caminhar. Os seus
pés enterravam-se nas ervas geladas. Ali no descampado soprava um curto vento
de neve que lhe cortava a cara como uma faca. «Tenho frio», pensou Joana. Mas
continuou a caminhar.
À medida que se ia aproximando
dele, o pinhal ia-se tornando maior. Até que ficou enorme. Joana parou um
instante no meio dos campos.
«Para que lado ficará a cabana?»,
pensou ela. E olhava em todas as direcções à procura de um rasto. Mas à sua
direita não havia rasto, à sua esquerda não havia rasto e à sua frente não
havia rasto.
«Como é que hei-de encontrar o
caminho?», perguntava ela. E levantou a cabeça.
Então viu que no céu, lentamente,
uma estrela caminhava.
«Esta estrela parece um amigo»,
pensou ela. E começou a seguir a estrela.
Até que penetrou no pinhal. Então
num instante as sombras fizeram uma roda à sua volta. Eram enormes, verdes,
roxas, pretas e azuis, e dançavam com grandes gestos. E a brisa passava entre
as agulhas dos pinheiros, que pareciam murmurar frases incompreensíveis. E
vendo-se assim rodeada de vozes e de sombras, Joana teve medo e quis fugir. Mas
viu que no céu, muito alto, para além de todas as sombras, a estrela continuava
a caminhar. E seguiu a estrela.
Já no meio do pinhal pareceu-lhe
ouvir passos.
«Será um lobo?», pensou.
Parou a escutar. O barulho dos
passos aproximava-se. Até que viu surgir entre os pinheiros um vulto muito alto
que vinha caminhando ao seu encontro.
«Será um ladrão?», pensou.
Mas o vulto parou na sua frente e
ela viu que era um rei. Tinha na cabeça uma coroa de oiro e dos seus ombros
caía um longo manto azul todo bordado de diamantes.
— Boa noite — disse Joana.
— Boa noite — disse o rei. — Como
te chamas?
— Eu, Joana — disse ela.
— Eu chamo-me Melchior — disse o
rei. E perguntou:
— Onde vais sozinha a esta hora da
noite?
— Vou com a estrela — disse ela.
— Também eu — disse o rei —, também
eu vou com a estrela.
E juntos seguiram através do
pinhal.
E de novo Joana ouviu passos. E um
vulto surgiu entre as sombras da noite.
Tinha na cabeça uma coroa de
brilhantes e dos seus ombros caía um grande manto vermelho coberto de muitas
esmeraldas e safiras.
— Boa noite — disse ela. — Chamo-me
Joana e vou com a estrela.
— Também eu — disse o rei — também
eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.
E seguiram juntos através dos
pinhais. E mais uma vez Joana ouviu um barulho de passos e um terceiro vulto
surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros escuros.
Tinha na cabeça um turbante branco
e dos seus ombros caía um longo manto verde bordado de pérolas. A sua cara era
preta.
— Boa noite — disse ela. — O meu
nome é Joana. E vamos com a estrela.
— Também eu — disse o rei — caminho
com a estrela e o meu nome é Baltasar.
E juntos seguiram os quatro através
da noite.
No chão, os galhos secos estalavam
sob os passos, a brisa murmurava entre as árvores e os grandes mantos bordados
dos três reis do Oriente brilhavam entre as sombras verdes, roxas e azuis.
Já quase no fundo dos pinhais viram
ao longe uma claridade. E sobre essa claridade a estrela parou.
E continuaram a caminhar.
Até que chegaram ao lugar onde a
estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem porta. Mas não viu escuridão,
nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de claridade, porque o
brilho dos anjos o iluminava.
E Joana viu o seu amigo Manuel.
Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e dormia sorrindo.
Em sua roda, ajoelhados no ar,
estavam os anjos. O seu corpo não tinha nenhum peso e era feito de luz sem
nenhuma sombra.
E com as mãos postas os anjos
rezavam ajoelhados no ar.
Era assim, à luz dos anjos, o Natal
de Manuel.
— Ah — disse Joana — aqui é como no
presépio!
— Sim — disse o rei Baltasar — aqui
é como no presépio.
Então Joana ajoelhou-se e pousou no
chão os seus presentes.
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